Riscos e seguros em projetos de hidrogênio verde “H2V”
Escrito por: Carlos Eduardo Lichtenberger Junior - 14/08/2023
Os estudos para a produção de hidrogênio verde (H2V) em larga escala desafiam o Brasil e o mundo. Com mercado global em franca ascensão – espera-se um crescimento de 40% ao ano na próxima década, segundo a consultoria americana Grand View Research – o combustível é visto como peça-chave para a descarbonização da economia.
Ao que tudo indica, trata-se mesmo de uma das alternativas com maior potencial de contribuição para substituir combustíveis fósseis e colaborar para limitar a elevação da temperatura do planeta a 1,5°C até 2050, meta estabelecida no Acordo de Paris, um passo fundamental para conter o aquecimento global.
Obtido através da eletrólise, separando-se o hidrogênio e oxigênio presentes na água (h2O), o hidrogênio é uma molécula leve com grande capacidade calorífica, o que faz com que tenha a capacidade de armazenar energia, um diferencial em relação a outras fontes de energia limpa com caráter intermitente, como a eólica e a solar.
Essa propriedade em especial faz com que o H2V possa ser empregado como fonte de energia em uma série de setores, inclusive indústrias altamente intensivas em emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE).
Estima-se que o impacto será altíssimo, com aplicabilidade em refinarias de petróleo (participando do hidrotratamento e hidrocraqueamento de hidrocarbonetos com o intuito de especificar os produtos ou prepará-los para outros processos de refino), transportes, construção civil, siderurgia, alimentos, rede elétrica e em diversos processos da indústria química, incluindo a síntese de amônia, fundamental para a produção de fertilizantes. No caso do agronegócio brasileiro, uma vantagem notável, reduzindo cenário de incertezas e dependência externa, fortalecendo a cadeia logística de insumos agrícolas e estimulando o desenvolvimento da indústria de fertilizantes no país.
Produção sustentável
O principal processo de produção do hidrogênio, a eletrólise, não é novidade, porém o grande “xis” da questão, num contexto de uma economia de baixo carbono, é a necessidade de produzi-lo em larga escala e de forma sustentável.
Dependendo da fonte e do processo em que é obtido, o hidrogênio é classificado de uma maneira – todas com importante papel na transição energética. Os principais tipos de hidrogênio são:
- O H2 cinza, produzido a partir da queima de combustíveis fósseis, como o gás natural e o carvão, com liberação de carbono na atmosfera;
- O H2 azul, obtido da mesma forma que o cinza, mas com a captura do CO2 resultante da produção e
- O H2 verde, produzido com energia limpa renovável, ou seja, com fontes de energia como a hídrica, eólica e/ou a solar e, portanto, isento de emissões de CO2.
Diversos países, como Japão, Estados Unidos, China, Chile, Alemanha e o próprio Brasil, assim como grandes players industriais, estão se movimentando nesta direção, mas é em território brasileiro que o H2V encontra o ambiente mais fértil para ser produzido de forma competitiva no longo prazo.
Isso porque a matriz elétrica brasileira é cerca de 85% limpa, com baixa ou nula emissão de GEE, considerando-se as usinas hidrelétricas, eólicas, solares e, também, a biomassa. Além disso, sabemos que nossa disponibilidade de recursos naturais não tem precedentes no mundo. Uma oportunidade e tanto para o Brasil se posicionar na economia global do hidrogênio verde.
Riscos e desafios de projetos de H2V
Ainda que haja uma série de benefícios e aplicações possíveis, para que o H2V se torne realidade é preciso transpor barreiras em várias áreas: técnica, infraestrutura, custos de produção, ambiente regulatório, entre outras.
No aspecto técnico, podemos destacar as seguintes características do hidrogênio:
- Baixa densidade;
- Grau de ebulição: -252,76°C (muito próximo a 0º K, 1 bar);
- Faixa de ignição de 4 a 77% in air by volume e
- Chama invisível a olho nu
Propriedades do hidrogênio verde
Propriedade | Hidrogênio |
– Density (gaseos) | 0.089 kg/m3 (0°C, 1 bar) |
– Density (liquid) | 70.79 kg/m3 (-253°C, 1 bar) |
– Boiling point | -252,76°C (1 bar) |
– Energy per unit of mass (LHV) | 120.1 MJ/kg |
– Energy density (ambient cond. LHV) | 0.01 MJ/L |
– Specific energy (liquefied, LHV) | 8.5 MJ/L |
– Flame velocit | 346 cm/s |
– Ignition range | 4-77% in air by volume |
– Autoignition temperature | 585°C |
– Ignition energy | 0.02 MJ |
Fonte: Swiss Re
Notes: cm/s = centimetre per second, kg/ m3 = kilograms per cubic metre, LHV: = Lower heating value, MJ = Megajoule, MJ/KG = Megajoule per kilogram, MJ/L = Megajoule per litre
Devido às suas propriedades de baixa densidade, alta inflamabilidade, chama imperceptível a olho nu (IEA, 2019) e o fato de ser incolor e inodoro, entre outras características, é preciso ter um olhar especial para a segurança da produção, armazenamento, transporte e toda a infraestrutura envolvida nesses processos.
Há desafios importantes a serem equacionados para que a solução se torne economicamente viável e sua utilização como fonte de energia possa ser estabelecida massivamente, colaborando de fato para criar a base de uma economia limpa.
Para decolar, portanto, o hidrogênio verde precisa resolver esses entraves, minimizando os riscos intrínsecos às suas propriedades, encontrando saídas para as perdas de energia (que giram em torno de 30-35% durante o processo de eletrólise), conectando de forma eficiente os centros de produção e de consumo, garantindo a rastreabilidade do ciclo de vida ao longo da cadeia de valor e criando referências de padrões e certificações necessárias para destravar os mercados de H2.
Segundo cálculos do BCG (Boston Consulting Group), divulgados recentemente, a expectativa é que sejam necessários entre US$ 6 trilhões a US$ 12 trilhões entre 2025 e 2050 para atender à demanda de governos e empresas que se comprometeram a caminhar na direção da economia de baixo carbono.
Alguns países e empresas já estão colados no potencial do Brasil. Em 2021, a GIZ (Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit), empresa de projetos voltados ao desenvolvimento sustentável, iniciou o projeto H2Brasil, em parceria com o Ministério de Minas e Energia (MME) e o Ministério Federal da Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha, que investirá 34 milhões de euros nesta agenda.
Outra iniciativa voltada ao fomento do hidrogênio verde é o TechHub, um centro de inovação para o desenvolvimento de tecnologias para produção, armazenamento e transporte do H2V no Porto de Suape, em Pernambuco, cujo investimento deve chegar aos R$ 45 milhões.
Seguros e o hidrogênio verde
O setor de seguros tem um papel fundamental diante dos compromissos que vem sendo assumidos ao redor do globo por parte de governos, credores, investidores e EPCistas (responsáveis pela execução de empreendimentos de grande porte).
Com todos os esforços para desenvolvimento da tecnologia de produção do H2V e procedimentos de segurança para infraestrutura, a tendência é que as capacidades das seguradoras sejam destinadas para projetos desse tipo, que sustentam a busca do mercado ressegurador pela neutralidade de carbono.
Ao demonstrar seu apetite com relação aos riscos passíveis de serem transferidos, o setor de seguros colabora fortemente para trazer confiança a todos os steakholders, ajudando a impulsionar projetos de H2V. Afinal, sem o compartilhamento destes riscos com o mercado segurador, as incertezas seriam tantas que a solução do hidrogênio verde e seus investimentos poderiam se tornar inviáveis.
Do lado dos investidores e EPCistas, é preciso estar apto a responder questionamentos ainda mais profundos do ponto de vista de subscrição do mercado (res)segurador, permitindo a identificação e quantificação adequada dos riscos e endereçando sua eliminação ou mitigação ao longo da cadeia de projetos de infraestrutura para a produção de H2V.
Diante de todas essas variáveis, o fato é que para avançarmos rumo à viabilização deste combustível do futuro todas as partes interessadas devem assumir uma parte do risco. Somente assim vamos caminhar a passos tão largos quanto precisamos.